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A Ritinha

O blogue das birrinhas da Ritinha. Umas melhores, outras piores. Como tudo na vida.

A Ritinha

O blogue das birrinhas da Ritinha. Umas melhores, outras piores. Como tudo na vida.

11.Out.14

...

Autocarro.

Eu sentada num dos bancos.

Reparo num homem que se apoia numa bengala. Pernas com ligaduras. Reparo nele apenas pk alguém lhe ofereceu o lugar e ele recusou, agradecendo. Vai sair já na próxima paragem. E sai.

Regresso à semi consciência de quem viaja em tranporte público.

Lá do fundo da semi consciência, começo a ouvir alguém que fala ao telemóvel. É uma mulher. Ainda nova.

"Sim, ele saiu na paragem. Ó minha senhora, já lhe disse que o homem já não está no autocarro. Saiu na paragem. Deve estar lá ainda. Vocês deviam lá ir buscá-lo. Isto não pode ser. Ele tinhas as pernas todas inchadas. Ele tem ÉBOLA."

Todos os meus sentidos se concentram num só: ouvir, ouvir melhor. Se calhar percebi mal.

À minha volta as pessoas estão caladas. Olhares incrédulos. Três adolescentes não sabem se devem soltar aqueles risinhos típicos da sua idade.

A mulher vira-se agora para o interior do autocarro (do outro lado do telemóvel (112???) devem ter desligado, incrédulos também).

"Vocês não viram? Viram e não disseram nada. Não pode ser. Ele tinha as pernas todas inchadas. Já deve ter contagiado o autocarro todo com ébola. Ó senhor motorista, você nem o devia ter deixado entrar. Ele tinha os dedos dos pés todos a cair."

Uma das adolescentes diz: "Ó minha senhora isso é lepra!"

Revolta encorajada pela intervenção da miúda, grito: "Olhe, eu estou com tosse e com febre. Acha que devo sair na próxima paragem!?"

A mulher olha-me. Olhar alienado. "Espere aí que eu já lhe respondo."

E fala novamente ao telemóvel. Desta vez com alguém conhecido. "Tens que ter cuidado. Isto é muito grave. Já ontem mataram o cão em Espanha. Vamos morrer todos." Desliga.

Insiste agressivamente com a mulher sentada à sua frente. "Você viu que ele tinha as pernas todas inchadas e não fez nada. Não pode ser!"

Mais uma vez falo. "O homem tinha as pernas ligadas. E mesmo que estivessem inchadas seria razão para o pôr fora do autocarro? Já agora puxar de uma pistola e matá-lo, não?"

Mais uma vez aquele olhar alienado. E sem qualquer resposta.

À minha volta abanam-se cabeças. Levam-se indicadores à testa.

 

Tive medo, tive muito medo.

De atitudes destas. Não do ébola.

                                                                                9 de Outubro de 2014

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